Que dívida?

Os evangelhos nos ensinam duas coisas: a enormidade do pecado e a abundância do perdão divino.

A carta era portadora de um golpe visceral. Era a exigência de um advogado que eu pagasse certa dívida dentro de duas semanas. A taxa sobre minha televisão, dizia a carta, estava com atraso de dois meses. Se eu não pagasse dentro de duas semanas, meu crédito e meus cartões de crédito correriam perigo. Isto, para mim, equivalia a um desastre nacional. Ademais, havia uma multa de 10 por cento para cada mês de atraso. Pior ainda, eu seria processado. Eu estava em dificuldade!

Verifiquei minhas contas. Que alívio quando descobri que tinha pago a taxa a tempo. Meu temor transformou-se em ira. Telefonei ao escritório do advogado quatro vezes antes de conseguir linha. Informei a dama do outro lado que eu nada devia. Ela pediu desculpas. Parece que a companhia de televisão tinha perdido seus registros de contas e tinha enviado cartas de reclamação para todos. A burocracia se arruma, e eventualmente me mandaram uma carta pedindo desculpas.

Contudo, pela primeira vez, aprendi o que significa estar endividado e ser chamado a prestar contas. Certa vez Jesus contou uma história sobre estar endividado (Mateus 18:21-35). O rei intimou um de seus servos a pagar sua dívida, uma dívida tão grande que estava além de suas posses. Era 10.000 talentos — na época, mais de dez vezes a arrecadação do governo nas quatro províncias da Palestina. Que situação terrível na qual se encontrar. O homem caiu de joelhos e pediu misericórdia e mais tempo. O rei teve dó de seu servo e cancelou toda a dívida.

Ironicamente, o servo não entendeu bem a enormidade da dívida perdoada. Pensou que tempo era o tudo de que precisava para pagar a dívida, mas ele não a teria saldado em cem anos. O fato é que não compreendeu o significado do perdão.

O mesmo servo tinha alguém que lhe devia uma pequena soma, apenas uma fração do que ele devia ao rei. Vindo da audiência com o rei com sua dívida cancelada, ele exigiu de seu devedor pagamento imediato. Com efeito, ele agarrou seu colega de serviço e começou a sufocá-lo. Como o pagamento não saía, o servo do rei lançou o infeliz devedor na prisão.

O perdão tem sua dinâmica: um elemento de gratidão e transferência. O que Jesus estava procurando ensinar na história é que não basta receber perdão — é essencial oferecer perdão. O servo sem piedade deixou de experimentar esta dinâmica e, conseqüentemente, não podia experimentar a alegria do perdão.

O evangelho nos mostra duas coisas: a enormidade de nossa dívida e a grandeza da graça divina em nos libertar. Somos todos pecadores sob pena de morte (Romanos 6:23). Nãda podemos fazer para safar-nos. Mas então lá está a cruz. O sacrifício de Jesus é um lembrete permanente da disposição divina de perdoar nosso pecado e cancelar nossa dívida enorme. Em Sua misericórdia e amor infinitos, Deus perdoa plenamente e dá-nos esperança.

Se reconheço quanto Deus me perdoou, não preciso tabular o número de vezes que devo perdoar meu irmão (Mateus 18:22). Pedro pensou que perdoar sete vezes era o bastante. Afinal, os fariseus tinham ensinado a “perdoar três vezes, na quarta punir”. O evangelho de Jesus é de graça abundante. Nele o perdão não tem limite numérico.

Muitas vezes agimos como o servo mau. Não temos idéia da enormidade da dívida cancelada ou da generosidade dAquele que carregou a cruz. Por conseguinte, achamos difícil perdoar as pequenas dívidas de nosso próximo. Quantas vezes coletamos todas as dores do passado e do presente, e negamos perdão, não reconhecendo o quanto fomos perdoados!

Somente uma visão de Jesus sobre a cruz e a presença do Espírito Santo pode nos ajudar a entender o que Deus fez por nós. Só então alegre e livremente perdoaremos a outros.

David Birkenstock (Ed.D., Andrews University) trabalhou até recentemente como reitor do Heidelberg College, na África do Sul. É agora o deão da Escola de Estudos Superiores no Instituto Adventista Internacional de Estudos Superiores, nas Filipinas. Seu endereço: AIIAS; P.O. Box 7682; Domestic Airport Post Office; 1300 Pasay City, Metro Manila; Filipinas.