“Você nunca completará seus estudos de pósgraduação”

Um professor de química reflete sobre como manteve sua fé em meio às lutas de estudos de pós-graduação.

“Você nunca completará seus estudos de pós-graduação.”

Estas palavras me chocaram. Tendo começado os estudos de graduação, estava ansioso para começar a pesquisa. Entrevistei todos os professores de química para conhecê-los, seus interesses atuais quanto a pesquisas e qualquer possibilidade para meu futuro. Voltei para um professor do qual mais gostara. Ele sugeriu que eu o ajudasse a desenvolver um sistema de classificação de plantas e animais baseado em evolução bioquímica.

Depois de ouvir atenciosamente a sua proposta, eu disse: “Não creio que eu seria de muita ajuda em tal projeto.”

“Por que não?” perguntou o professor.

“Bem, não posso devotar-me de coração a este projeto. Não creio em evolução. Sou adventista que crê na Bíblia e seu relato da Criação.”

Agora foi a vez do professor ficar chocado. Mas ele estava no controle. “Você nunca completará seus estudos de pós-graduação com essa atitude,” disse ele. “A Bíblia está cheia de erros. Você e eu poderíamos escrever um livro melhor e mais exato do que este.”

Eu não estava convencido, mas ele continuou por muito tempo com seu monólogo. Finalmente, perguntou se eu ainda queria trabalhar para ele como um assistente graduado.

“Sim,” eu disse, “mas seria eu penalizado se não aceitar suas opiniões sobre evolução?”

O professor foi honesto. “Vou ensiná-la a você,” disse ele, “e espero que você a reproduza no exame. Mas não posso fazer com que você creia nela.”

Assim começou uma esplêndida relação de trabalho. De então em diante, eu era o descrente chamado para testemunhar novas descobertas na pesquisa de evolução bioquímica levada adiante com um outro de seus estudantes graduados. Meu professor era respeitado internacionalmente por sua pesquisa em bioquímica de esteróides. Por um pouco de tempo, me perguntava se era possível que ele tivesse razão e que eu estivesse errado em como a vida surgiu.

Um trilho biossintético universal

À medida que o professor partilhava dados e idéias comigo, tornou-se claro que freqüentemente o que ele considerava dados que apoiavam conceitos evolucionários eram para mim evidências poderosas da sabedoria e obra criativa de Deus.

Considere, por exemplo, aquilo que meu professor, Dr. William R. Nes, chamava “trilho biossintético universal” — assim chamado porque partes dele eram usadas por todas as espécies e pela maior parte dos tecidos. Começa com moléculas de alimento (primariamente hidratos de carbono e gorduras) sendo divididos em fragmentos que contêm dois átomos de carbono formando uma estrutura-chave conhecida como acetil coenzima A. Parte disto é oxidado para CO2 e H2O liberando energia, na maior parte como TFA (trifosfato de adenosina). Muito do resto é usado para sintetizar um outro composto intermediário crucial contendo cinco átomos de carbono chamado isopentenilpirofosfato. Esse composto serve como matéria inicial para a síntese de centenas de produtos naturais importantes. Alguns contêm 10 ou 15 átomos de carbono como nos perfumes de muitas flores, frutas cítricas, alguns temperos e óleos medicinais. A vitamina A contém 20 átomos de carbono, ao passo que pigmentos de caroteno relacionados de perto contêm 40. Quando dois compostos ramificados de C15 estão ligados, eles formam um composto de C30 que cicliza para produzir esteróides como colesterol, cortisona e hormônios sexuais. Esteróides produzidos deste modo são achados em todos os grupos maiores de organismos, desde a alga azul-verde até seres humanos.1

Interpretação

Mas estes dados — que plantas, animais e seres humanos usam algumas das mesmas reações químicas controladas por enzimas semelhantes para prover várias necessidades — provoca uma questão importante. Prova isto que plantas, animais e seres humanos partilham de um ancestral comum ou de um mesmo Criador? Provar envolve fornecer evidência ou argumento suficiente para induzir a crença. A interpretação de dados nada prova necessariamente. Consideremos duas interpretações alternativas desta evidência, nenhuma das quais constitui uma prova.

A primeira é de bioquímicos. “Evolução biológica pode ser traçada através do registro de fósseis ou comparando diretamente as seqüências de genes e proteínas. Essas observações sugerem que os milhões de espécies que existem hoje descendem de um único ancestral que viveu há bilhões de anos. Esta célula antiga foi sem dúvida capaz de decompor a glicose e de efetuar muitos dos outros processos bioquímicos fundamentais que são comuns a todas as células. Poderia sintetizar aminoácidos e lípidos, e quase certamente usou TFA como a unidade fundamental de energia. Usou o mesmo código genético que achamos em seus descendentes modernos. Como a célula original evoluiu a partir de organismos mais simples é um problema não resolvido. A origem mesmo da vida, acontecimento que ocorreu há mais de três bilhões de anos, é tópico de muita discussão.”2 A isto um biólogo acrescenta: “Se duas espécies têm coleções de genes e proteínas com seqüência de monômeros que combinam bem, as seqüências devem ter sido copiadas de um ancestral comum.”3

A segunda interpretação vem de uma perspectiva criacionista. Deus criou plantas e animais com a necessidade de fontes de energia e respiração. Ele fez as plantas capazes de operar fotossíntese de modo que a energia do Sol pudesse ser usada para sintetizar compostos orgânicos que poderiam servir de fontes de energia para plantas e animais. Ambos metabolizariam as mesmas espécies de compostos e necessitariam das mesmas enzimas ou similares para efetuar o metabolismo. Como as enzimas são proteínas com uma seqüência particular de aminoácidos e formas particulares, precisam de seqüências específicas de DNA que contêm a informação codificada de como sintetizar as enzimas. Assim se esperaria achar algumas seqüências de bases nucleotidas de DNA nas plantas, animais e seres humanos que são comparáveis. O trilho de glicólise deveria existir em todos os sistemas vivos que obtêm sua energia através da respiração associada com a oxidação da glicose.

Um dilema

Ambas interpretações são baseadas em pressuposições não explícitas e não provadas. Qual interpretação é a correta? Como decidir que posição assumir? Infelizmente, a ciência não nos dá um caminho claro para determinar a validade de um dos dois paradigmas em competição. (Um paradigma é um grupo de pressuposições amplas, conceituais e metodológicas que moldam nossa visão do Universo e nossa interpretação do mesmo.) Como I. G. Barbour argumenta: “Paradigmas em competição oferecem julgamentos diferentes sobre que espécie de soluções são aceitáveis. Não há parâmetros externos sobre os quais basear uma escolha entre paradigmas, porque parâmetros são eles mesmos produtos de paradigmas. Pode-se avaliar teorias dentro do quadro de um paradigma, mas num debate entre paradigmas não há critérios objetivos. Paradigmas não são falsificáveis e são bastante resistentes a mudanças.”4

Abordagem do dilema

Face a este problema, alguns cientistas assumem a posição de que aceitarão como dados somente aquilo que é verificável e que depende somente do intelecto para interpretar os dados. Infelizmente, esta abordagem tem seus pontos fracos. Não há tal coisa como “dados brutos sem interpretação”. Todos os dados são contaminados com teoria. Em outras palavras, o paradigma usado por um cientista influencia a espécie de dados coletados e o que se preferiu ignorar.

Uma segunda abordagem do dilema de paradigmas conflitantes é a que eu escolhi. Admito que meu conhecimento e compreensão são limitados e que os modelos que eu crio em minha mente que correspondem à realidade são imperfeitos e incompletos. Logo, não vou restringir minha busca para entender o mundo aos dados reproduzíveis que outros e eu podemos coletar no laboratório. Ao construir meu paradigma, estou pronto para usar os dados relatados por testemunhas fidedignas de acontecimentos que não posso observar. Por exemplo, não testemunhei a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, mas estes fatos se fundam em relato bíblico e histórico. Cristo prometeu que enviaria outro Consolador que nos guiaria em toda a verdade (João 16:13). Esse Ajudador é onipotente, onisciente e onipresente. Uma parte de Seu trabalho de nos guiar à toda verdade foi de inspirar homens santos de Deus a escrever os livros da Bíblia (I Pedro 1:19-21). Toda Escritura, produzida sob a direção do Espírito Santo onisciente, me é valiosa em meu desenvolvimento pessoal e em ajudar-me a pôr minhas observações da Natureza numa perspectiva correta.

A Escritura me fornece dados adicionais relatados por testemunhas críveis para serem usados na formação de meu paradigma. Encontro 11 livros do Antigo Testamento e 10 do Novo que tratam da Criação. O Espírito Santo, que inspirou os escritores da Bíblia, foi uma testemunha ocular ativa do processo da Criação (Gênesis 1). Cristo, o Criador que foi testemunha ocular (João 1), repetidamente expressou Sua crença na Criação (Marcos 10:6; 13:19; Apocalipse 1:4 e 5; 4:11; 22:16). Mesmo anjos confirmaram o testemunho jurando pela maior autoridade no Universo — o Criador do céu e da Terra, do mar e de tudo que neles há (Apocalipse 10:5 e 6). Parece razoável escolher o paradigma que não rejeita arbitrariamente estes dados de testemunhas oculares. A Escritura também nos informa que antes de Cristo voltar haverá dois grupos proeminentes que mantêm paradigmas conflitantes. A descrição de um grupo se acha em Apocalipse 14:6-12. Aqueles que proclamam as boas novas de salvação e julgamento crêem que Deus merece reverência e culto porque Ele é o Criador. Perseveram em guardar os mandamentos incluindo o sábado, que é um memorial da Criação. Mantêm sua fé em seu Criador-Salvador. Esta relação com Ele fortemente influencia como encaram o mundo e como interpretam os dados que os inundam.

O segundo grupo com um paradigma conflitante é predito em II Pedro 3:3-6. Este grupo tem uma filosofia que exclui as promessas de Deus e segue suas próprias inclinações. Promovem conceitos uniformistas e ignoram o fato de que Deus chamou o mundo à existência. Esquecem que Deus formou a Terra a partir da água através de movimento da água e mediante a força de águas em movimento rápido. Esquecem que essas mesmas águas, usadas de um modo criativo na criação da Terra, foram usadas num processo de julgamento por ocasião do Dilúvio, que de novo modificou a forma da Terra.

Uma escolha deliberada

A descrição profética destes dois paradigmas conflitantes no final deixa claro que as tensões entre criacionistas e evolucionistas parecem que não vão desaparecer antes da segunda vinda de Cristo. Aceitar um paradigma ou outro envolve uma escolha. É uma decisão sobre onde colocar sua fé. Um grupo deposita fé e confiança no Criador-Redentor e interpreta os acontecimentos e observações do mundo à luz da Palavra revelada sob a direção do Espírito Santo. Outros depositam sua fé em sua própria habilidade de interpretar corretamente suas observações do mundo, usando os métodos da ciência sem assistência exterior. Consideram suas conclusões mais exatas do que as conclusões baseadas na revelação de nosso Criador-Deus. Esta atitude refletia-se no comentário de meu professor: “Você e eu poderíamos escrever um livro melhor e mais exato do que a Bíblia.”

Ontogenia recapitula a filogenia?

Podemos obter compreensão adicional enfocando o conceito que foi a base da pesquisa de meu professor em evolução bioquímica. O conceito veio de Ernst Haeckel, que durante meio século a partir de 1860 vigorosamente promoveu a idéia de que a ontogenia recapitula a filogenia. Esta teoria originalmente significava que o desenvolvimento do embrião passa por fases que se assemelham aos estágios de adultos de seus ancestrais evolucionários mais simples. O entusiasmo de Haeckel era tão grande por sua versão do darwinismo que a maior parte de uma geração de biólogos escolheu especializar-se em embriologia como um modo de investigar o processo evolucionário.

Quando meu professor publicou os resultados da pesquisa que eu recusei realizar, ele escreveu que estava fazendo “um estudo de seqüências biossintéticas em tecidos imaturos planejado para abordar o problema da evolução do ponto de vista da recapitulação ontogenética da filogênese”.5 Num artigo subseqüente, ampliou esta afirmação sucinta escrevendo: “Em nossa monografia prévia sugerimos que sementes em germinação poderiam recapitular sua história evolucionária num nível químico.”6 Ele estava usando uma teoria que tinha sido a fonte de argumentos estéreis intermináveis entre biólogos durante quase meio século, começando por volta de 1860. Á medida que o número de objeções e anomalias aumentava, assim foi o número de ajustamentos da teoria. Ao descrever o declínio e queda desta teoria, Gould7 pretende que a teoria nunca foi demonstrada errada por causa das anomalias, mas sofreu um abandono benigno.

Nes acumulou um número considerável de dados bioquímicos, os quais ele organizou sob a classificação “relações organísmicas”. Ainda tinha esperança de êxito com esse projeto, mas admitiu que estava tendo problemas. “A primeira complicação (mas não a única) jaz na definição de mais ou menos avançado.”8 Que é uma reação simples que um organismo simples poderia realizar e que é uma reação mais complexa que podia ser efetuada por um embrião de uma espécie mais avançada em seu desenvolvimento? Evolucionistas moleculares ainda estão procurando compreender a evolução de moléculas grandes e reconstruir a filogenia de organismos a partir de informação macromolecular.

Uma lição a ser lembrada

Minha experiência como estudante no curso de pós-graduação neste campo de estudo pôs minha fé sob prova. Mas minha fé permaneceu firme e constante em meus dias de estudante e em minha vida profissional como cientista. Pratico minha fé e ensino ciência. Mas o que aprendi é indispensável: Quando a fé está assediada, não precisamos render. Eis algumas dicas:

1. Não entre em pânico. Se encontrar alguma anomalia nova a seu paradigma atual construído sobre a fé em Deus, não entre em pânico. Você poderá acomodá-la mediante um ajuste de seu paradigma sem diminuir sua fé em seu Criador ou em Sua Palavra escrita.

2. Pense construtivamente. Se um ajuste pequeno não é viável, então faça algo construtivo iniciando uma pesquisa para obter maior compreensão da anomalia. À medida que sua compreensão aumenta, a questão pode deixar de ser uma anomalia, ou então pode demonstrar-se ser uma questão sem importância ou insignificante.

3. Pense criativamente. A história mostra que experimentaremos menos frustração e que faremos maior progresso em compreensão se devotarmos menos esforço em atacar diretamente os paradigmas opostos e mais para achar novas abordagens criativas em investigar o problema.

4. Deposite sua fé onde ela conta. Todos os paradigmas têm anomalias, e você poderá ter que viver por um tempo com algumas questões não resolvidas. Lembre-se de que sua escolha entre paradigmas conflitantes é uma questão sobre onde você deposita sua fé. Possa você depositá- la onde ela realmente conta!

Por falar nisto, terminei os estudos de pós-graduação com um doutorado em química. O Dr. Nes, meu professor principal, foi sempre cortês e prestativo. Respeitava minha guarda do sábado e serviu de conselheiro para minha dissertação. Quando nos despedimos depois da formatura, ele disse: “Passará um longo tempo antes de eu ter outro aluno como você!”

Dwain L. Ford (Ph.D., Clark University) lecionou durante 32 anos como professor de química, diretor de departamento e deão da Faculdade de Artes e Ciências da Andrews University, onde agora é professor emérito. Seu endereço: 7041 Dean’s Hill Rd.; Berrien Center, MI 49102; E.U.A.

Notas e referências

1.   W. R. Nes e M. L. McKean, Biochemistry of Steroids and Other Isopentenoids (Baltimore, 1977), pp. 412-414.

2.   H. R. Horton e outros, Principles of Biochemistry (Englewood Cliffs, N.J.: Neal Patterson Publishers, Prentice Hall, 1993), p. 24.

3.   N. A. Campbell, Biology (Redwood City, Calif.: The Benjamin/Cummings Publishing Co. Inc., 1993), pp. 434 e 435.

4.   I. G. Barbour, Myths, Models and Paradigms (New York: Harper & Row Publishers, 1974), pp. 95-113.

5.   D. J. Baisted, E. Capstack e W. R. Nes, “The Biosynthesis of B-Amyrin and B-Sitosterol in Germinating Seeds of Pisum sativum”, Biochemistry 1 (1962), pp. 537-541.

6.   E. Capstack, Jr., D. J. Baisted, W. W. Newschwander, G. Blondin, N. L. Rosin e W. R. Nes, “The Biosynthesis of Squalene in Germinating Seeds of Pisum sativum”, Biochemistry 1 (1962), pp. 1178-1183.

7.   S. J. Gould, Ontogeny and Phylogeny (Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1977), Cap. 6.

8.   Nes, op. cit.