Nery Cruz: Diálogo com um artista adventista em Porto Rico

Nery Cruz é um talentoso ilustrador e artista cujo trabalho é conhecido e admirado em muitos países das Américas. Nascido em 1954 na cidade de Jalapa, Guatemala, estudou arquitetura na Universidade de San Carlos e na Universidade Rafael Landivar na Cidade de Guatemala.

Durante os últimos 13 anos, San Juan, em Porto Rico, tem sido a residência de Nery e sua base profissional. Lá, perto do mar, ele tem seu próprio estúdio e divide o trabalho entre arte comercial e belas-artes. Antes de vir para Porto Rico, ele ilustrou muitos livros e periódicos, trabalhando para a Pacific Press Publishing Association, tanto na Califórnia como em Idaho.

Nery começou a pintar quando ainda muito jovem. A paixão de sua vida é a arte. Ele tem feito exposições individuais e coletivas em sua terra natal, bem como nos Estados Unidos e em Porto Rico. Além da arte, ele exerce outras atividades, entre elas trabalho missionário, construção, mecânica e arte culinária.

Nery casou-se com Lori Le Duc, enfermeira, há 16 anos. O casal tem três filhos: duas meninas, Frances, de 14 anos, e Lauren, de 8; e um menino, Justin, de 11 anos.

Diagnósticos recentes de seu filho Justin, que sofre de fibrose cística, e de seu sogro, com um tumor no fígado, tornaram Nery mais cônscio de quão vulneráveis somos como seres humanos. Tudo isso faz com que ele almeje, cada vez mais, a segunda vinda de Jesus.

 

Quando você descobriu que tinha um talento especial para desenhar e pintar?

Pinto e desenho, tanto quanto possa lembrar-me, desde o jardim da infância. As artes sempre me atraíram. Quando era pequeno, pensava que toda criança podia desenhar e pintar bem como parte de uma vida normal.

Seus pais incentivaram seu pendor artístico?

Quando eu tinha cinco ou seis anos, lembro-me de meus pais mostrando minhas pinturas a seus amigos e dizendo: “Parece que ele sabe pintar!” Mas eles queriam que seus filhos estudassem algo convencional para ter uma profissão. Embora gostassem de minha arte, consideravam-na como um passatempo e não estavam convencidos de que alguém pudesse ganhar a vida como artista.

Você teve um aprendizado formal?

Enquanto jovem, não recebi nenhum preparo convencional. Eu queria ir para uma escola de artes, mas não havia nenhuma em nossa pequena cidade. Além disso, nossa modesta situação financeira impedia que eu obtivesse qualquer educação formal em arte. Assisti aulas na universidade e procurei estar em dia com a arte e as técnicas através de revistas e jornais profissionais. Viver, observar e experimentar têm sido meus verdadeiros “professores”.

Você acha que o talento artístico é algo inato, ou pode ser adquirido?

A gente nasce com o talento artístico, mas como ocorre com muitas habilidades, tudo depende de como as desenvolvemos. Vejo isso em minha própria família, onde alguns foram agraciados com talento mas não tomaram tempo para desenvolvê-lo. O que escolhemos fazer com nosso talento (arte, no meu caso) não é herdado.

Conte-nos de sua experiência adventista.

Nasci e cresci num lar adventista. Um de meus objetivos era usar minha habilidade artística numa instituição adventista. Assim, fiquei muito feliz quando, pouco depois de chegar aos Estados Unidos, fui convidado para fazer parte do departamento de arte da Pacific Press Publishing Association. Ali tive oportunidade de aperfeiçoar e ampliar minhas habilidades como desenhista e ilustrador. Essa experiência mais a amizade de colegas criativos, deram-me um bom fundamento para meu trabalho posterior como artista independente.

Por que desenha e pinta?

Aprecio a maioria das atividades que envolvem processos criativos, exceto escrever. Gosto de desenho arquitetônico, artesanato, mecânica, etc. O porquê de eu ter escolhido pintar e desenhar provavelmente se deva aos materiais disponíveis nas primeiras etapas de minha vida. Sempre considerei que minha força está na pintura. Recentemente, porém, tenho me preocupado mais em aperfeiçoar meu desenho no começo de cada novo trabalho, e então deixar a pintura fluir naturalmente.

Como marido e pai também desenho e pinto para manter minha família. Deus deu-me habilidades e sou grato pelo uso que posso fazer delas para alimentar, vestir e educar nossos filhos.

Como e de onde tira as idéias para suas pinturas?

Escolho meu tema inicial das coisas que vejo na vida, e sobre essa base concebo a composição. Então busco referências que me ajudem a concretizar o conceito. Se não acho as referências, tiro minhas próprias fotografias. Também colho sugestões de amigos e extraio concepções de suas idéias.

Até que ponto sua formação cultural influencia-lhe a arte?

Estou certo que ela exerceu boa influência. Por exemplo, prefiro usar cores brilhantes e vivas. A vestimenta dos nativos em minha terra, a Guatemala, tem ampla variedade de cores brilhantes. A variada flora e os cenários de Porto Rico, cheio de cores e nuanças, também apelam a meus sentidos e se refletem em minha arte.

O que lhe dá maior satisfação em seu trabalho como artista?

Gosto de ser eu mesmo, trabalhando em meu próprio estúdio, nas horas que me convêm e segundo meu próprio programa. Outro aspecto que gosto bastante é de começar a pintar não sabendo exatamente como vai sair o trabalho, e então, no final, ver concluído um produto de beleza.

Como você reage ao fracasso, no momento em que reconhece que um trabalho artístico não saiu como você pensava?

Fracasso é uma palavra relativa. Quando vejo que um quadro não está saindo como eu gostaria, começo a fazer alguma coisa como mudar as cores, por exemplo. A cor por si só nem sempre salva uma pintura. Exponho um quadro mesmo quando meus sentimentos mais profundos me dizem que ele não saiu exatamente como eu esperava. Então deixo que o público o julgue. Às vezes, fico surpreso com sua reação! Nunca pinto um quadro que esteja errado tecnicamente, pelo menos não em meus trabalhos mais recentes.

Revendo sua carreira artística como um todo, você descobre etapas ou preferências de estilo?

Sim. Elas têm resultado do contexto em que eu trabalhava, de alterações das preferências pessoais e de minha própria maturidade como artista. Sou um purista, mas também realista. Pinto para viver, mas também porque amo a pintura. Ainda não consegui atingir a pintura que meu coração deseja. Realmente gosto de pintar num estilo surrealista, com mais contrastes de cor e um melhor equilíbrio entre os elementos. Assim continuo experimentando!

Sua família desempenha um certo papel em sua carreira artística?

Toda peça de arte é baseada numa combinação de conceitos, e muitos deles envolvem a figura humana. Desde o nascimento de nossos filhos, eu os tenho utilizado como modelos em meu trabalho. Eles respeitam minha profissão e reconhecem sua importância em minha obra. Minha esposa cuida das vendas e de outros aspectos financeiros.

Como você consegue conciliar seus deveres de marido e pai com sua vida de artista?

Como em qualquer carreira, o tempo é a chave. Disponho o tempo para trabalhar como uma equipe com minha família. Alguns pensam que sua criatividade atua melhor quando estão sós, mas eu me sinto mais inspirado quando meus filhos estão perto. E quando me assento para pintar, sempre me lembro de minhas obrigações para com a família. Isso me encoraja a trabalhar mais arduamente e a fazer o melhor.

Até que ponto o fato de ser cristão e adventista influencia sua arte?

Aproximadamente a metade de meu trabalho consiste de arte comercial. Decidi-me, há muitos anos, a não fazer ilustrações que envolvam álcool ou tabaco. Outro aspecto no qual posso testemunhar de Cristo é a questão do sábado. Os novos clientes tendem a ligar-me nos fins de semana, assim tenho a oportunidade de lhes dizer que não trabalho ou faço negócios aos sábados; esse é um tempo especial dedicado a Deus e à minha família. Publicidade é um negócio que sempre exige pressa e que às vezes se mostra um tanto selvagem. Não recebo nem mesmo convites para festas no sábado, porque meus amigos e clientes sabem que não estou disponível.

Você está envolvido com vida de sua igreja?

Sim, sou membro ativo da igreja adventista de Campo Rico em San Juan, Porto Rico. Estou comprometido com o trabalho missionário de levar alimentos a viciados em heroína e craque nas ruas. Também toco violão na escola sabatina dos juvenis e sou diácono.

Como artista tem você oportunidades de partilhar sua fé com outros?

Tive, recentemente, o privilégio de expor juntamente com outros artistas adventistas no edifício do Capitólio aqui em San Juan. Por causa da exposição, os parlamentares ficaram cientes de nossa maneira de pensar como adventistas do sétimo dia. Em nossa exposição não foram servidas bebidas alcoólicas. Distribuímos literatura cristocêntrica. Em conversas particulares com outros artistas e clientes, Deus freqüentemente abre o caminho para sermos Suas testemunhas.

Que conselho daria a um jovem leitor que espera fazer carreira na arte?

Meu conselho é simples. Siga seus sonhos sem olhar para trás. Faça seu trabalho da melhor maneira possível. Busque a direção divina para utilizar os talentos que Deus lhe deu em qualquer campo, seja ele arte, música, ciência, ou qualquer outra profissão. Nada faça que comprometa seu alvo prioritário de glorificar a Deus através do trabalho.

Entrevista por Humberto M. Rasi. Humberto M. Rasi (Ph.D. pela Stanford University) é diretor do Departamento de Educação da Igreja Adventista do Sétimo Dia e Editor-chefe da revista Diálogo. Endereço de Nery Cruz: Gardenia #3; Cape Sea Village; Box 138; Isla Verde, Puerto Rico, 00979; EUA — Telefone: 787-253-2394. E-mail: bleduc@coqui.net