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Interpretação de dados: Conhecendo a diferença

Considere as seguintes declarações:

Declaração 1: (A) é um ser humano. (B) é um gorila. Entre A e B há muitas semelhanças, mas A possui muitos atributos superiores quando comparado com B.

Declaração 2: As semelhanças mostram que tanto A como o B têm uma origem comum. As superioridades sugerem que A evoluiu de B durante de milhões de anos.

Declaração 3: As semelhanças mostram que tanto A como B tiveram uma origem comum: o Deus criador. Os atributos superiores de A revelam que Deus escolheu criar seres humanos a Sua própria imagem, e que esse não foi o caso na criação dos animais.

A declaração 1 é dado, informação— observável, cognoscível e aberto à experiência. As declarações 2 e 3 são interpretações dos fatos, uma feita por um evolucionista e a outra por um criacionista.

Essa simples ilustração revela que o conhecimento ou informação pode ser dividido em dois conceitos distintos: dados e interpretação. Visto que os dados estão sujeitos a variadas interpretações, estudantes e pesquisadores precisam distinguir cuidadosamente entre a informação que constitui os dados coligidos e a “informação” deles derivada, que é apresentada como evidência em apoio de uma hipótese. Os cientistas esforçam-se para ser tão objetivos quanto possível, mas diversos fatores (preconceitos) influenciam a escolha e a interpretação dos dados.

A distinção entre dados e interpretação não é menos importante na classe de ciências do que no laboratório científico. A maior dificuldade no processo de separar os dados das interpretações jaz no contexto das alegações dos compêndios. Eles são as fontes primárias de informação em qualquer sala de aula; contudo, nas classes de ciências, os dados comunicados são freqüentemente mais interpretativos do que informativos. Os estudantes desde cedo precisam de treinamento com respeito à identificação de dados em exercícios provenientes dos compêndios. O desenvolvimento de tais exercícios requerará esforço adicional por parte dos professores, mas deverá produzir mais análise dos estudantes e menos explicação dos professores, à medida que a classe progride.

Conhecendo a diferença

Que é informação? Qual é a diferença entre informação e interpretação? A informação consiste em mensurações e observações, usadas como base de raciocínio, discussão ou cálculo.1 Dados observáveis são normalmente considerados como fatos inalteráveis, mas podem ou não ser verdadeiros. À medida que a tecnologia e a ciência progredirem, “fatos” serão descartados, modificados ou substituídos por novos dados. Por exemplo, medições podem formar a base para identificação [avaliação], isto é, a interpretação de um objeto ou fenômeno. Os fósseis de organismos extintos são amiudadamente identificados com base em medições das várias partes das estruturas preservadas de seus corpos. A exatidão e precisão das medições tornam difícil a identificação correta, porque sobre os muitos componentes de uma extinta fauna conchosa, os cientistas não sabem se os grandes organismos que têm ou não estruturas semelhantes aos pequenos, representam diferentes espécies, gêneros, ou estágios de desenvolvimento. As identificações ou cálculos em si não são dados, mas interpretações. Muito da controvérsia que existe na literatura científica é causada por um problema bastante significativo: a interpretação feita a partir de limitados bancos de dados. Esse ponto precisa ser enfatizado em cada capítulo estudado nas aulas de ciência.

A complexidade de dados e interpretações

Como ilustração de uma complexa interação entre dados e interpretações, considere dois passos envolvidos no processo de simples identificação de rochas e minerais.

Passo 1. interpretações das propriedades luminosas dos minerais. As propriedades luminosas dos minerais são descritas a partir do exame microscópico de uma fatia muito delgada de rocha (comumente chamada “seção delgada”). A luz polarizada (ondas de luz que vibram num plano particular) é usada para efetuar uma série de testes sobre as propriedades luminosas de cada seção delgada do mineral. Os testes provêem um banco visual de dados sobre padrões de transmissão de luz. Os mineralogistas usam esses padrões para determinar a composição mineral da amostra. A identificação dos minerais é uma interpretação baseada nos dados de propriedade luminosa.

Passo 2. Determinação do tipo de rocha. Examinando-se o contato de um mineral com outro, e medindo quanto de cada mineral acha-se presente, pode-se determinar o tipo de rocha. Um geólogo que identifica a rocha considera as informações das identificações do mineral como sendo “dados”, embora a identificação da rocha seja realmente uma interpretação de uma interpretação. (Os “dados” mineralógicos foram determinados originalmente a partir das informações sobre a propriedade luminosa). O ponto é que o escopo do que constitui um dado é realmente bastante estreito.

Quão válida é, justamente, a identificação? As identificações podem ser feitas usando comparações com padrões. Por exemplo, três finas seções podem ter a mesma composição mineral, mas os contatos minerais podem ser bem diferentes. Se os grãos do mineral estão entrelaçados, a rocha é ígnea. Se os grãos do mineral estão alterados, distorcidos, alongados e alinhados, é uma rocha metamórfica. Os mesmos minerais juntamente consolidados formam uma rocha sedimentar. Quando termos e procedimentos são bem definidos, a identificação é bastante fácil e relativamente confiável.

Visto que os dados são limitados ao que podemos mensurar ou observar diretamente, os professores devem promover a capacidade de seus estudantes na interpretação de dados, de modo que eles possam tirar conclusões dignas de confiança. Uma interpretação é uma explicação, um modo de apresentar a informação em termos compreensíveis. As interpretações são limitadas pela disponibilidade dos dados e pelo preconceito do observador.

Níveis múltiplos de interpretação

Existem diversos níveis de interpretação. Por exemplo, o nome oólito não somente identifica um tipo particular de rocha, mas também implica numa história inteira de exigências ambientais e de condições de depósito para sua formação. Como pode um nome conter tanta informação interpretativa?

    1. Uma fina seção feita de partículas arredondadas, semelhantes a contas unidas, precisa ser identificada, em primeiro lugar, com respeito a sua mineralização. Por conseguinte, o primeiro nível de interpretação é identificar a composição mineral das pequenas contas. Com fins a essa ilustração, vamos identificá-las como partículas de carbonato de cálcio.
    2. A identificação da estrutura dessa rocha feita de contas é baseada no reconhecimento de um objeto central, que pode ser um fragmento de outra espécie de rocha ou talvez uma parte do material conchoso, em torno do qual o carbonato de cálcio se precipitou. Essa informação estrutural combinada com a redondeza das partículas identifica as contas como oólitos. Nesse ponto poder-se-ia pensar que o exercício estaria terminado, e que a identificação é tão simples e direta como o reconhecimento do mineral. Contudo, um terceiro nível de interpretação é introduzido para explicar como os oólitos se formaram.
    3. O terceiro nível depende de observações feitas em ambientes atuais. Os geólogos sabem que os oólitos são formados próximos a uma praia, pela agitação da água salina quente e rasa.
    4. Os pesquisadores aplicam esse conhecimento às rochas oolíticas encontradas em encostas de montanhas. Em outras palavras, os geólogos usam o que sabem a respeito do cenário moderno e interpretam o quadro antigo de acordo com isso. Supõem que os oólitos da montanha se formaram naquele local, no passado, do mesmo modo que os oólitos oceânicos ou os do Grande Lago Salgado em Utah. Essa interpretação implica que os oólitos não se formam de nenhum outro modo. O raciocínio parece bastante lógico e a conclusão óbvia; contudo, essa associação pode não ser verdadeira. O exercício não terminou. Esta série de interpretações é agora acrescida a outros dados com múltiplas interpretações, para nos levar à descrição final da exposição de uma rocha particular. Esse processo é duplicado em outras exposições ou afloramentos de rocha sobre uma região mais ampla, para desenvolver um modelo.
    5. Os geólogos usam outros tipos de rocha e dados adicionais para desenvolver modelos que descrevem eventos geológicos na história da Terra. Por exemplo, grãos de quartzo solidificados são chamados arenitos. Os desenhos dos arenitos podem ser devidos a um processo conhecido como camadas cruzadas. Tipicamente, as camadas cruzadas são formadas quando correntes (vento e/ou água) depositam areia ou sedimento no sotavento das dunas. Integrando uma ampla coleção de dados e interpretações (minerais, rochas, oólitos e camadas cruzadas), os geólogos podem agora desenvolver o quinto nível de interpretação: a modelagem. Os modelos oferecem aos cientistas uma estrutura geral para o desenvolvimento de predições e avaliação de eventos que podem ter ocorrido no passado.2

Assim, a diferença distinta entre dados e interpretação precisa ser utilizada ao se avaliar uma pesquisa. Os dados são realmente medições e observações. As interpretações tentam identificar ou explicar o que foi medido e observado. A validez de uma interpretação está baseada sobre quão bem ela se acomoda aos dados disponíveis. As interpretações podem mudar se a base de dados se altera. Essa interação entre dados e interpretações é que torna a ciência tão bem-sucedida e progressiva.

Preconceito durante a aquisição de dados

Os cientistas estão conscientes de que estão sujeitos a erros e equívocos. Por isso tentam manter uma atitude de objetividade na pesquisa.3 Esse compromisso com a objetividade criou uma espécie de aura em volta dos cientistas e, infelizmente, a ciência desenvolveu uma imagem popular de “infalibilidade”. As pessoas freqüentemente preferem crer que os cientistas são objetivos e que lidam com valores absolutos. Alguns pensam mesmo que quando o cientista tira uma conclusão, todas as teorias contrárias foram refutadas e as questões resolvidas. Assim se desenvolve um falso senso de segurança na ciência.

Alguns cientistas pouco fazem para apagar tal reputação. Para complicar as coisas, a comunidade científica adotou a posição de que qualquer pesquisador que tenha uma propensão religiosa não é científico; portanto, por definição, a ciência da criação não pode ser verdadeira. Tal atitude deixa de reconhecer seus próprios preconceitos.4

Eis alguns preconceitos que influenciam a ciência—alguns fatores técnicos, sutis e inconscientes.

    1. Constrangimentos na amostra. O primeiro problema na coleta de dados é o preconceito na amostragem. Todo cientista tem idéias preconcebidas sobre a pesquisa, as quais influenciam a seleção de dados. A amostragem aleatória ajuda a minimizar os problemas,5 mas ainda mesmo há escolhas que favorecem uma hipótese particular.
    2. Erros sistemáticos. Um cientista pode ter um “ponto cego”, uma falha no reconhecimento de dados. Por exemplo, é comum aos paleontólogos que se especializam em fósseis de caracóis, coletar maior variedade de gastrópodes na montanha do que qualquer outro lugar. No entanto, o mesmo indivíduo terá menos ostras e corais do que outros colecionadores de fósseis. Esses outros fósseis podem ter uma influência significativa sobre a interpretação daquele local, mas o preconceito do pesquisador elimina tal contribuição. Além dos problemas envolvidos na obtenção de dados, seu processamento pode introduzir preconceitos técnicos sistemáticos.6 Um processo equivocado não reconhecido ou uma fórmula matemática aplicada incorretamente, ou ainda uma análise estatística no processamento de dados, introduz um erro sistemático ou preconceitos nos resultados.
    3. Constrangimentos tecnológicos. Os cientistas têm agora a possibilidade de incorporar grandes quantidades de dados e interpretações a modelos gerados por computadores, através de análises que envolvem reconhecimento de modelo. Contudo, gigantescos bancos de dados não significam necessariamente que os modelos refletem adequadamente sistemas e processos complexos. O desenvolvimento de modelos simplificados mediante sistemas gerados por computador produz preconceito tecnológico, porque os parâmetros simplificados impõem limites na aplicação do modelo aos sistemas reais.7
    4. Qualidade de dados. A análise de dados introduz preconceitos devidos às interpretações qualitativas ou subjetivas inclusas. Por exemplo, na análise dos dados de potássio-argônio, a quantidade de potássio e argônio pode ser medida bem acurada e precisamente. Todavia, é difícil saber exatamente o que os dados significam, e as conclusões relativas à idade dependem muito das numerosas pressuposições e problemas que surgem dentro do contexto da metodologia.8 A tecnologia atual não mede a idade da rocha diretamente, assim as conclusões são influenciadas. Os dados descritivos são ainda mais problemáticos.
    5. Constrangimentos financeiros. O método científico requer testes rigorosos antes que qualquer teoria possa ser aceita. No entanto, constrangimentos temporais e financeiros limitam arduamente o processo de testes. Novos dados são incorporados na teoria corrente porque é mais fácil ter material publicado se ele for geralmente aceito pela comunidade científica. O processo de financiamento tem uma incrível influência na pesquisa atual.9 Sem artigos publicados, sem dinheiro para a pesquisa. É tão simples. Os rigorosos testes propostos pelo método científico podem sair muito caros; assim, idéias e conceitos aparecem logo na imprensa e são citados em publicações ulteriores. O arrocho financeiro está aumentando o preconceito técnico ao limitar o processo experimental. Os estudantes deveriam estar cientes de que o financiamento da pesquisa tem bastante controle sobre a pesquisa publicada.

Implicações para a ciência e a religião

Quando se trata da relação entre ciência e religião, diversos pontos precisam ser notados. Primeiro, nem todos os dados são mensurados corretamente, e às vezes é difícil diferenciar entre dados e interpretação. Certamente muitas interpretações opcionais de qualquer base de dados são não somente possíveis mas prováveis. Interpretar os dados pode ser muito complexo; não obstante, o cenário mais simples é usualmente preferido ao mais complexo no desenvolvimento de teorias. Segundo, o preconceito está presente em qualquer interpretação, porque todas as interpretações científicas são, no mínimo, parcialmente subjetivas. Terceiro, precisamos compreender a natureza da ciência e como os cientistas trabalham. As pessoas por vezes ficam desanimadas porque as interpretações científicas estão mudando constantemente, e assim não sabem no que crer. Contudo, essa é a natureza da ciência; é assim que ela avança. Uma vez que se compreenda realmente esse aspecto da ciência, as pessoas ficam relutantes em basear crenças teológicas sobre dados específicos ou conceitos científicos. Quarto, embora a ciência possa ser útil e prover informação relevante, ela não deveria ditar a teologia de ninguém. Se se permite que a ciência dite a teologia, então cada vez que as interpretações científicas mudarem, a teologia precisa ser alterada, quer essa alteração seja consistente com nossa crença e experiências ou não. Ao mesmo tempo, a teologia não devia ditar a ciência de ninguém. Conceitos tais como “fixidez das espécies”, baseados numa teologia pessoal mantida por muitos nos séculos 17 e 18,10 e a teoria de uma “terra achatada” são algumas das idéias que contribuíram para o conflito entre a ciência e a teologia. A Bíblia pode fornecer hipóteses legítimas e constrangimento para a ciência. Com efeito, a Escritura, como fonte de informação, sugere avenidas de investigação que não seriam consideradas pela maioria de pessoas não-cristãs. Tal pesquisa deveria reconhecer qualquer tendência bíblica que possa estar presente, e todos os dados devem ser imparcialmente avaliados.

Conclusões

Os cientistas têm bastante confiança de que sabem o que estão fazendo. Todavia, especialmente na área das origens, a ciência sozinha não pode avaliar a base de dados completa, porque a abordagem científica não leva em consideração a possibilidade de envolvimento sobrenatural em a Natureza e na história de nosso planeta. A maioria dos cientistas crê que há conflitos irreconciliáveis entre a ciência e a Bíblia. Por exemplo, Ayala afirma: “Pretender que as declarações de Gênesis sejam verdade científica é negar toda a evidência.”12 A evidência não prova uma longa nem uma curta história para a vida. A evidência disponível provê muito pouca informação. Os dados não são o problema primário na reconciliação entre a ciência e a Bíblia. É a interpretação dos dados que apresenta conflitos. Tem sido dito: “Não somente é o presente a chave do passado, mas a chave do futuro.”13 Tanto os relatos históricos de um Dilúvio universal quanto as declarações proféticas do segundo advento de Cristo, proclamam a falsidade de tal conceito.14 Para os cristãos, a Bíblia fornece uma fonte de informação que sugere que há um modo melhor de abordar a ciência. A partir dessa perspectiva, alguma harmonia entre a ciência e Bíblia pode ser reconhecida. Com efeito, os cristãos esperam harmonia porque reconhecem Deus como o Criador da Natureza e de suas leis científicas.

Elaine Kennedy (Ph.D. pela Universidade do Sul da Califórnia) é geóloga e pesquisadora do Geoscience Research Institute. Seu endereço postal: 11060 Campus Street; Loma Linda, Califórnia, 92350; EUA. E-mail:ekennedy@univ.llu.edu Você também pode consultar o web site do Instituto: www.grisda.org

Notas e referências

1.   Webster’s College Dictionary, 1991.

2.   Andrew D. Miall, Principles of Sedimentary Basin Analysis (New York: Springer-Verlag, 1984), p. 3.

3.   Francisco Ayala, Robert McCormick Adams, Mary-Dell Chilton, Gerald Holton, Kumar Patel, Frank Press, Michael Ruse, and Philip Sharp, On Being a Scientist (Washington, D.C.: National Academy of Sciences Press, 1989), p. 1.

4.   Del Ratzsch, The Battle of Beginnings: Why Neither Side Is Winning the Creation–Evolution Debate (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1996), pp. 158-179. See also Philip E. Johnson, Darwin on Trial (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1991), pp. 6-12.

5.   Ayala et al, p. 5.

6.   Ibid, p. 5, 6.

7.   Ibid, p. 6.

8.   C M. R. Fowler, The Solid Earth: An Introduction to Global Geophysics (Cambridge University Press, 1998), p. 192.

9.   Francisco J. Ayala and Bert Black, “Science and the Courts,” American Scientist 81 (1998): 230-239.

10. J. Browne, The Secular Ark (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1983), pp. 21-23.

11. Colin Norman, “Nobelists Unite Against ‘Creation Science,’” Science 233 (1986): 935.

12. Ibid, p. 935.

13. Alan Baharlou, 1978. Personal communication that echoes sentiment of James Hutton in 1788, “The results, therefore, of our present inquiry is, that we find no vestige of a beginning—no prospect of an end” (from Transactions of the Royal Society of Edinburgh).

14. 2 Peter 3:3-10.


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