Diálogo Universitário English
Español
Português
Français
Um periódico internacional de fé, pensamento e ação   Home Subscreva
Versão impressa

Cuidando de sua saúde

Lucy é uma boa aluna. Ela se esforça para ser alguém na vida e ajudar sua família. Ultimamente ela passou a perder algumas refeições e horas de sono. Lucy se sente como que andando numa corda bamba. “Ontem”, diz ela, “dormi durante uma palestra! Imagine só!” Embaraçada, confessa: “Tenho de parar de fazer isso comigo mesma. Isso não é saudável!” Lucy deseja estabelecer alguns hábitos práticos de saúde, a fim de desfrutar realmente a vida universitária. Entretanto, não sabe como começar. “O que posso fazer para ser saudável?”

Carlos é uma pessoa bem-educada e com bolsa de estudos em relações internacionais. Ele se preocupa com assuntos de saúde mundiais e sabe que, apesar do declínio das doenças cardíacas em alguns países, o mundo ainda sofre de cardiopatias. Em torno do ano 2020, as doenças cardíacas serão a principal causa de morte, não só nos países desenvolvidos como também nos países em desenvolvimento.1, 2 Os cientistas prevêem que os países em desenvolvimento não serão capazes de ministrar os mesmos tratamentos que os países desenvolvidos. Nos EUA, somente 20% dos casos de hipertensão são controlados adequadamente, e nos países em desenvolvimento esse número oscila entre 5 e 10%.3 Além disso, a falta de sistemas eficientes de atendimento à saúde, mais a restrição de recursos financeiros e a subestimação de um estilo de vida mais saudável, ameaçam milhões de pessoas. Carlos agora se preocupa. “Quem tem suficiente poder e influência para alterar essas projeções? O governo? Somente os governos são responsáveis por manter as pessoas tão saudáveis quanto possível?”

As experiências de Lucy e Carlos são exemplos extremos. Um focaliza a saúde individual, e o outro, a saúde coletiva. De fato, Lucy precisa tomar alguma providência pessoal. Carlos, porém, enfrenta um problema maior: a saúde global.

Perspectiva histórica

A história da saúde e da medicina no mundo está repleta de tentativas, erros e ignorância. Guerras, fomes e pouco conhecimento médico têm-se generalizado, resultando na diminuição da expectativa de vida. Evidências arqueológicas em restos mortais ósseos do Velho Mundo e da América Pré-Colombiana, bem como os registros históricos, mostram que a expectativa de vida das pessoas mal ultrapassava os 34 anos.6-8 Uma pessoa saudável era definida como alguém “sem doença”, ou alguém que tivesse nascido sem defeito físico nem doença infecciosa. Muitas sociedades necessitavam de pessoas fisicamente robustas para lutar nas guerras ou trabalhar no campo. As próprias pessoas se consideravam vítimas, receptoras de “forças externas” que predeterminavam não somente sua saúde como também suas condições hereditárias e o status social.6

No século 19, durante a Revolução Industrial Americana, quando os primeiros serviços hospitalares militares foram estabelecidos juntamente com os departamentos de saúde urbanos, a expectativa de vida girava em torno de 40 anos, com uma taxa de mortalidade acima de 20 por 1000.7, 9, 11 Por volta de 1900, a taxa de mortalidade havia diminuído para 17,2 por mil, e 75 anos mais tarde era menor que 9 óbitos por 1000 pessoas”. Em 1993, 71% dos residentes nos EUA tinham expectativa de viver pelo menos até 70 anos. Cerca de 80% desse surto de sobrevida ocorreu entre as décadas de 1890 e 1940. Isso se deveu em grande parte a (a) mudanças radicais na disponibilidade de alimentos, na melhor compreensão da nutrição, e (b) às condições sanitárias públicas aprimoradas, incluindo abastecimento de água potável, drenagem, sistema viário mais limpo, legislação urbana, casas arejadas, controle de proliferação de ratos, pasteurização do leite e vacinação profilática. Os EUA desfrutaram muitos anos seguidos a medicina preventiva sistemática, conseguida principalmente através das lideranças governamentais e de uma crescente conscientização individual e coletiva, que passou a ver os hábitos “sujos” como “maus”. Por exemplo, cuspir, espirrar e tossir em público passaram não somente a ser malvistos, mas proibidos.6, 11, 12 Porque as preocupações com a saúde passaram a ser generalizadas, a saúde preventiva tornou-se mais focalizada social do que individualmente.

Durante as décadas de 1930 e 1940, a descoberta de antibióticos tais como as sulfas, a penicilina e a estreptomicina, abriu novos horizontes para a medicina curativa. Os governos destinaram maiores verbas à medicina curativa e, conseqüentemente, menores recursos à medicina preventiva. Também a tecnologia médica irrompeu nessa expansiva — e mais dispendiosa — era da medicina curativa. Os hospitais tornaram-se centros de medicina curativa e gradualmente o sistema hospitalar obteve a preferência em relação ao sistema preventivo de saúde. Os nosocômios cresceram em número e tamanho para satisfazer as necessidades “de melhor saúde”.

Nos EUA, na década de 1950, quando a medicina curativa tornou-se a prática-padrão de saúde, a expectativa de vida aumentou para 65 anos.7 Acreditava-se que esses resultados provinham dos “novos e maravilhosos procedimentos tecnológicos”. A verdade, entretanto, era de uma estagnação real da taxa de sobrevida entre 1950 e 1970. (Ver figura 1.)

A crise na medicina americana no início da década de 1990

Tomar medidas contra os arriscados padrões de comportamento em outras doenças foi quase um desastre por causa do foco exagerado na medicina curativa. Na década de 1980, três fatores vitais se uniram para provocar uma crise que ocorreu no início da década de 1990: o aumento das “doenças de causa pessoal”, as despesas com saúde e os protestos de grupos defensores da saúde.6, 7, 13

Relatórios sobre saúde pública indicam que as “doenças de causa pessoal”, como ataques cardíacos, derrames, câncer, acidentes automobilísticos, suicídios, violência, diabetes, uso de drogas e poluição ambiental, rapidamente se tornaram as principais causas de morte prematura7. (Ver Tabela 1.) Ficou evidente que as pessoas se expunham a esses males em função de desenvolverem hábitos prejudiciais à saúde desde cedo em suas vidas. Esses hábitos incluíam o uso de fumo e álcool, dietas gordurosas, estresse, comportamento hostil, etc. Os pesquisadores, entretanto, observaram também que outros estilos de vida eram protetores (preventivos) contra a morte prematura (por exemplo, exercícios, dieta de frutas, verduras e bom repouso). Desde a década de 1980, a taxa de mortalidade começou a diminuir, lenta mas consistentemente, pela primeira vez em 30 anos, devido ao crescente número de pessoas engajadas num estilo de vida saudável.

Relatórios econômicos confirmam que a medicina preventiva foi responsável por muito da melhora na taxa de sobrevida e no “status” da saúde, e com pouco aumento nos custos, anteriormente à revolução da medicina curativa. Os protestos de grupos defensores da saúde tornaram-se politicamente importantes. As pessoas que defendem um estilo de vida saudável ou que se interessam por uma mudança de estilo de vida, consideram-se no direito de viver, por exemplo, em ambientes sem poluição. E também um crescente número de cidadãos considera que não é justo que pessoas que não cuidam de seu corpo consumam grande parte do orçamento nacional destinado à saúde.

O que podemos aprender do confronto entre o comportamento passivo e o ativo

Mesmo considerando que a história da saúde e da medicina fornece evidências de que as iniciativas governamentais produzem impacto na sociedade, não se pode ignorar a importância das atitudes individuais com relação à saúde, à doença e à morte, as quais afetam o comportamento e a sociedade. Diversos relatórios antropológicos e de psiquiatria transcultural concordam que os sistemas de saúde preventiva e curativa têm fundamentação cultural, isto é, são influenciados pelo “sistema de crenças compartilhadas, valores, costumes, comportamentos e artefatos que os membros da sociedade usam para enfrentar o seu mundo e uns aos outros, transmitidos de geração a geração por um processo cognitivo”.14, 15 Os indivíduos que são participantes ativos em sua própria saúde examinam criticamente o conceito de saúde e doença, e as causas subjacentes de como seu comportamento é determinado culturalmente. Por exemplo, um indivíduo que tem um estilo de vida saudável, não ingeriria comidas gordurosas comuns em sua cultura.16

Por outro lado, os indivíduos que se percebem como receptores de infortúnios, estão sob maior risco de adotar padrões de comportamento passivos relativamente à sua saúde. Por exemplo, alguns pacientes sob risco de infectar-se com o vírus HIV tendem a dizer: “De qualquer maneira vou morrer mesmo”.17 O que tais atitudes revelam é que colocar toda a responsabilidade pelos cuidados da saúde sobre o governo, o sistema social, o hospital, ou uma agência internacional, é negar nossa própria capacidade de ajudar-nos a nós mesmos.

Então, o que é saúde?

A “cultura do estilo de vida preventivo” coloca sobre o indivíduo uma certa responsabilidade por sua vida e saúde. Não mais se considera a saúde como simplesmente a ausência de doenças ou uma vida mais longa. Vitalidade, bem-estar e otimização da saúde têm significados muito semelhantes. Uma das mais bem conhecidas definições de saúde é dada pela Organização Mundial da Saúde: “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”.11

Esta definição descortina uma gama multidimensional e multiinterativa que define o perfil usual de uma pessoa saudável. Além dos aspectos físico, emocional e social, a saúde também abrange as dimensões interpessoal, intelectual, espiritual e ambiental.

O perfil de uma pessoa saudável

Fisicamente, uma pessoa saudável evita a ingestão de substâncias prejudiciais (especialmente fumo e álcool); come bem, pratica exercícios físicos regularmente, tenta manter o peso normal; compreende as limitações naturais do corpo e o processo de envelhecimento, e aceita a morte como o término desse decurso. Apesar dessa realidade, a pessoa consegue manter sua saúde otimizada.

Emocional, social e interpessoalmente, uma pessoa saudável consegue o equilíbrio entre a auto-estima (a capacidade de se valorizar) e a heteroestima (a capacidade de valorizar outras pessoas); entre o uso e o abuso; e entre a liberdade (a capacidade de escolher ou agir), a segurança (o sentimento de confiança), e o risco (a percepção do perigo). Essa conscientização aplica-se a qualquer aspecto da saúde preventiva, mas é especialmente útil para o comportamento sexual saudável.

Intelectualmente, uma pessoa saudável é uma pesquisadora ativa e responsável, que busca informações sobre saúde. Administra os fatores de risco relacionados com a doença, mas procura o auxílio de profissionais, se necessário; tenta compreender o sistema de saúde e como utilizá-lo de maneira eficiente; e aprender como administrar os fatores de risco de maneira a minimizar os seus impactos.

Espiritualmente, uma pessoa saudável compreende as dimensões espirituais e as utiliza ativamente para maximizar sua serenidade, conforto e esperança.

Ambientalmente, uma pessoa saudável tem consciência dos benefícios ou riscos potenciais do ambiente, e atua de maneira adequada para mantê-lo em condições saudáveis.

Todos podem ter uma saúde melhor

Embora ainda existam pobreza e desigualdade em muitos países, a saúde preventiva e a participação individual são pontos-chave para atender às necessidades universais de saúde. Países em desenvolvimento como a Costa Rica, o Sri Lanka, e o Estado de Kerala, na Índia, atingiram baixas taxas de mortalidade pela adoção de uma estratégia composta de hospitais menores, participação pública, médicos dedicados, e pessoal do serviço de saúde que chega até as pessoas mais pobres e de menor instrução. Mesmo sem acesso aos serviços de saúde, mães nigerianas muito pobres, mas com certa escolaridade, foram capazes de melhorar a sobrevida de seus filhos, o que as mães analfabetas não conseguiram.17

Nosso estilo de vida exerce um grande impacto sobre a saúde, independentemente da pobreza ou riqueza. Um estilo de vida saudável altera positivamente tanto o indivíduo como a sociedade. A receita seguinte é impressivamente recomendada para o aprimoramento da saúde pessoal:

Primeiro, assuma o controle da sua saúde (Identifique o problema).

Segundo, estabeleça metas e planos simples.

Terceiro, execute suas metas e planos.

Quarto, estabeleça novas metas e faça planos para atingi-las.

Quinto, evite pessoas, coisas e situações que embaracem seus planos.

Sexto, peça auxílio, se necessário.

Estebam Poni (M. D. pela Universidade da Venezuela) é especialista em medicina interna, envolvido em ensino e pesquisa na área da saúde. Reside em Loma Linda, Califórnia, EUA. E-mail: este3808@hotmail.com

REFERÊNCIAS

1. T. A. Pearson , “Cardiovascular disease in developing countries: myths, realities, and opportunities,” Cardiovasc Drugs Ther 13 (1999): 95-104.

2. J. W. Levenson, P. J. Skerrett, and J. M. Gaziano, “Reducing the global burden of cardiovascular disease: The role of risk factors,” Preventive Cardiology 5 (2002): 188,189.

3. Y. K. Seedal, “The limits of antihypertensive therapy—lessons from Third World to First,” Cardiovascular Journal of South Africa 12 (2001): 94-100.

4. L. J. Dominguez, M. Barbagallo, and J.R. Sowers, “Cardiovascular risk factors in South America and the Caribbean, ” Ethn Dis 9 (1999): 468-478.

5. K. S. Reddy, “Cardiovascular diseases in the developing countries: Dimensions, determinants, dynamics and directions for public health action,” Public Health and Nutrition 5-A (2002): 231-237.

6. S. M. Ayres in “Health Care in the United States: The facts and the choices,” The Last Quarter Century: A Guide to the Issues and the Literature, No. 4. J. H. Whaley, Jr., ed. (Chicago: American Library Association, 1996), pp. 1-92.

7. A. R. Omran, “The epidemiologic transition theory revisited thirty years later,” World Health Statistical Quarterly 53 (1998) 2-4:59-119.

8. Companion Encyclopedia of the History of Medicine, vol. 2. W. F. Bynum and R. Porter, eds. (London, 1993), p. 1709.

9. D. M. Ediev, “Reconstruction of the US immigration history: Demographic potential approach.” Electronic Journal “Investigated in Russia” (2001); pp. 1619-1635. Web: http://zhurnal.ape.relarn.ru/ articles/2001/140e.pdf

10. Department of Health and Human Services. National Center for Health Statistics. Web: http://www.dhhs.gov.

11. P. M. Insel and W. T. Roth, “Taking charge of your health,” in Core Concepts in Health, 6th ed. P.M. Insel and W. T. Roth, eds. (Mountain View, Cal.: Mayfield Publ. Co., 1991), pp. 1-21.

12. A. Harding, Milestones in Health and Medicine (Phoenix: Oryx Press, 2000), p. 171.

13. V. R. Fuchs, Who shall live? Health, Economics, and Social Choice (New York: Basic Books, 1974).

14. F. Boaz, “Methods of ethnology,” American Anthropologist 22 (1920): 311-322.

15. C. Katona and M. Roberton, “Cross-cultural Psychiatry,” in Psychiatry at a Glance, 2nd ed. (Oxford: Royal Free and University College Medical School, Blackwell Science Ltd. Oxford, 2000), pp. 76, 77.

16. G. E. Fraser, “ Diet is primordial prevention in Seventh-Day Adventists,” Preventive Medicine 29 (1999); (6 Pt 2): S18-S23.

17. J. C. Caldwell , “Basic premises for health transition in developing countries,” World Health Statistical Quarterly 53 (1998): 121-133.


Home

Subscreva